terça-feira, junho 14, 2005

3.3 sintaxe espacial

A teoria da sintaxe espacial utiliza-se de uma maneira peculiar para representar o espaço, de forma a sistematizar as informações que se deseja obter, partindo dos conceitos considerados fundamentais para compreensão dos fenômenos espaciais. Entender estas formas de representação e os conceitos destacados pelo método da sintaxe espacial é o objetivo desta seção.
O espaço é “medido” considerando as propriedades espaciais descritas a seguir.
Conectividade mede, em um espaço, quantos outros nós são diretamente acessíveis a partir dele (Hillier, et al, 1993).
Controle mede o grau em que um espaço controla o acesso para seus vizinhos, este cálculo é feito somando-se as reciprocidades de conectividades entre vizinhos, ou seja, se um espaço é a única forma de conexão para outra, este espaço tem valor de controle 1, se ele é uma entre duas formas de conexão, tem valor de controle 1/2, e assim por diante. Em suma, o valor de controle representa ou quantifica o grau de escolha que se permite de um espaço para os outros da vizinhança imediata (Hillier, et al, 1993).
Escolha global indica o quão freqüentemente cada linha é usada, e está localizada a menos passos das outras do sistema (Hillier, et al, 1993).
Integração mede a profundidade de cada espaço do sistema, em relação a todas outras. Os espaços mais integrados são aqueles em que são mais rasos, ou a menos passos de todos os outros, e os mais segregados são aquelas que estão mais profundas ou que seja necessário um maior número de passos para até eles chegar (Hillier, et al, 1993).
Inteligibilidade é medida através da correlação entre conectividade e valor de integração. Indica o que visualmente pode ser visto através de determinada linha e, de acordo com seu grau de integração, indica o que isto significa para o sistema como um todo.
O gráfico justificado é um tipo de representação característico do espaço doméstico ou do edifício. O espaço normalmente é dividido em espaços convexos (espaços em que todos os pontos são diretamente visíveis e acessíveis de todos os outros pontos), estes são representados por uma forma geométrica, geralmente um círculo, e os caminhos ou acessos entre eles são representados por uma linha, ligando-os.
O mapa convexo (Fig 3.1 e Fig. 3.2) pode ser colorido, de acordo com o valor de integração de cada espaço, utiliza-se uma gradação de cores que vai do vermelho ao azul escuro, sendo em vermelho os espaços mais integrados, passando pelo laranja, amarelo escuro, amarelo claro, verde claro, verde escuro, azul claro e, por fim, azul escuro, representando o espaço mais segregado. Esta escala de oito cores é definida subtraindo-se o maior valor de integração pelo menor e dividindo o resultando por oito, obtendo-se, portanto, o valor do incremento que deve ser adicionado para definir os intervalos entre as cores. Dependendo dos resultados obtidos, nem todas cores serão utilizadas, depende do grau de integração entre os espaços e as correspondências desses valores com os intervalos de cores.
Estes espaços convexos, que geram os gráficos justificados (Fig. 3.3), dispostos em níveis, a partir de um ponto desejado, denominado “raiz”, de acordo com os passos que devem ser percorridos para até eles chegar. Os gráficos justificados servem para ilustrar duas propriedades de configuração espacial: profundidade e escolha. Elas são importantes para a formação das idéias sobre cultura e relações sociais. Profundidade é descrita da seguinte maneira: um espaço está à profundidade 1 de outro se estiver diretamente ligado a ele; está à profundidade 2 se for preciso passar através de um espaço para alcançá-lo; profundidade 3 se necessário passar por dois espaços e assim por diante. Visualmente, através do gráfico justificado, a profundidade de um espaço será percebida através da altura que alcança a partir da raiz. Acredita-se que essas medidas simples são capazes de expressar culturalmente diferenças tipológicas significantes entre planos porque os dois conceitos em que elas são baseadas tem um tipo de lógica social intrínseca. Profundidade entre um conjunto de espaços sempre expressa o quão diretamente as funções daqueles espaços estão separadas ou integradas de cada um, e então quão fácil e natural é gerar relações entre eles. Enquanto que a presença ou ausência de anéis (ligações entre espaços que formam um polígono fechado no gráfico justificado) expressa o grau em que esses relacionamentos são controlados, ou marcados pela falta de escolhas, forçando a permeabilidade de um espaço para outro só ser possível através de outros espaços.
Os mapas axiais (Fig. 3.4) são o conjunto de linhas retas, as mais longas e em menor quantidade, que podem ser traçadas sobre os espaços convexos do mapa. Essas linhas podem ser imaginadas, assim como acontece nos gráficos justificados, em níveis, onde, escolhendo-se a “raiz”, ou o ponto de partida para analisar o conjunto, as linhas são representadas em níveis através de gradação de cores, de acordo com a profundidade, ou a proximidade que cada uma está em relação a todas do conjunto. Na prática, este mapa pode ser construído com o auxílio do computador, ou manualmente, cada linha axial é ligada à outra que seja visível e acessível a partir dela. Este gráfico preliminar, já oferece, visualmente, a possibilidade de um primeiro entendimento de como se dá o movimento dentro da malha (Hillier, et al, 1993).
Isovistas - é um mapa onde, a partir de um determinado espaço, revela-se a soma dos possíveis espaços visíveis, revela o grau de controle, do ponto de vista visual, que se pode ter de determinado espaço. Este mapa pode ser colorido, com as informações do valor de integração (Fig. 3.5).
A teoria da sintaxe espacial é a de que antes de tudo é através da configuração espacial que processos e relações sociais se expressam no espaço. Configuração, de uma maneira geral, é definida como a relação entre pelo menos dois espaços considerando um terceiro, ou a relação entre espaços em um complexo considerando todos os outros espaços. A escolha da propriedade configuração na lógica social do espaço se justifica por ela originar-se na lógica deste espaço (Hillier, et al, 1993).
Acredita-se que para o entendimento dos produtos arquitetônicos e urbanos não é suficiente esclarecer os propósitos pelos quais foram criados, mas aliá-los às leis morfológicas do espaço que, em conjunto, formam o todo, formam a cidade (Hillier, 1985).
A visão Aristotélica suporta esta premissa: “Forma e função são a mesma coisa” e “Forma é incompreensível sem função.” Dentro desta perspectiva, com o intuito de compreender a diferença entre sistemas naturais e fabricados, são desenvolvidas as três leis do espaço: (Hillier, 1985)
1. Leis para a construção de objetos espaciais
Para construir essa lei, parte-se do estudo de como explicar a estrutura definida pela orientação das aberturas (entradas) dos edifícios, formando a chamada estrutura “beady ring”. O clima, a topografia e proteção não são suficientes para tal explicação, pois estão relacionados a um processo orgânico variável de crescimento. É necessário, ainda, associar mais dois tipos de variáveis para compreender a lógica do assentamento: a variável histórica e a dos processos socioeconômicos e a variável relacionada às regras locais de proximidade que conduzem às regras gerais e formam o espaço. São um tipo de leis autônomas, regras naturais de agregação. A sistematização de dados sobre esta forma de agregação em assentamentos pode sugerir padrões genotípicos, ou verificação de sistemas semelhantes, mostrando como se materializam as percepções intuitivas que se tem do espaço e de sua lógica de agregação.
2. Leis da sociedade para o espaço
Diz respeito à idéia de que a geração de formas tem um significado social. Esta é esclarecida através de uma peculiar forma de representação e determinação de uma medida: o espaço é representado através do gráfico justificado, ou linhas axiais, que permitem medir uma propriedade do espaço denominada profundidade. Profundidade remete a outra propriedade: integração. O grau de profundidade de um conjunto determina o quanto este é integrado ou não, ou seja, o quanto ele é permeável (acessível) ou não de um espaço para outro do complexo. Com base nessa medida, entende-se de que forma as funções são espacializadas, e percebe-se que essas formas existem dentro de um princípio cultural, que as regem. A observância de como o espaço doméstico é organizado pode exemplificar este princípio. Zonas íntimas ou sagradas da habitação (dependendo da cultura que se esteja estudando), por exemplo, são verificadas nas partes mais segregadas. É um traço social que se materializa na construção do espaço. A função de determinado espaço está associada a um determinado grau de integração ou segregação.
3. Leis do espaço para sociedade
Esta lei está relacionada ao fato de certos valores espaciais serem determinantes para certos valores sociais. A configuração espacial possibilita ou não sua ocupação e a geração de encontros entre pessoas, a geração de relações sociais e comerciais. Integração é considerada o fator mais determinante em termos de movimento, quanto mais integrado o espaço, mais encontros são gerados.
Estudos posteriores resultaram na teoria do movimento natural, que é um subproduto dos trabalhos de análise espacial. O cruzamento de informações sobre o padrão espacial e estudos de observação verificaram a existência de um certo movimento, conduzido pela morfologia, independente do uso. O argumento é que existem espaços mais relacionados que outros, que pode sugerir um maior fluxo, ou seja, certa configuração espacial pode gerar fluxo, pois certos tipos de movimento não dependem de atratores, mas do sistema configuracional. O movimento natural existe a partir da preexistência de uma relação entre diversos elementos de uma configuração espacial. É a procura pelo caminho mais fácil e curto. A configuração da malha urbana é o principal gerador de padrões de movimento. Alguns estudos explicam os padrões de movimento baseados na existência ou não de atratores na malha urbana, estes estudos não consideram a configuração espacial global. O que se percebe, no entanto, quando se observa o padrão configuracional, é que estes atratores, por sua vez, muitas vezes estão alocados em locais estratégicos (ou integrados) para a existência de movimento, e que, os atratores, por si só, não seriam suficientes para tal. Pois a presença de atratores pode influenciar a presença de pessoas, mas não pode influenciar os padrões configuracionais existentes no lugar. De forma que configuração pode influenciar a alocação de atratores, mas a recíproca não é verdadeira. Configuração pode afetar movimento, mas os padrões configuracionais não podem ser por ele afetados. (Hillier et al, 1993)
O argumento é que configuração é o gerador primário, e sem compreendê-la não é possível entender o movimento das pessoas, o posicionamento dos atratores. Movimento natural é a proporção de movimentação de pessoas em determinada malha urbana, regida por sua própria configuração. Sem o suporte deste movimento natural, proporcionado pela configuração espacial, muitas áreas provavelmente ficariam vazias, pois a sua trama não permite ou não favorece o movimento de pessoas, o movimento natural de pessoas, o que, por sua vez, proporciona ou não encontros, e isto se dá de várias maneiras em diferentes culturas, com suas diferentes lógicas sociais do espaço e entre diferentes categorias de pessoas, como: moradores e visitantes, adultos e crianças, e de classes sociais diversas. O fenômeno invariável em relação ao movimento natural é a lógica que relaciona o movimento e configuração. (Hillier et al, 1993)
Para confirmação desse fenômeno, além da análise do mapa axial, é realizado um trabalho de observação, onde é utilizada a seguinte técnica: são registradas ao longo das linhas axiais, em diferentes períodos do dia, as quantidades de pessoas que passam, distinguindo por gênero e geração, sendo que crianças acompanhadas ou conduzidas são descontadas (Hillier et al, 1993).
O que se observou é que o clima não tem um papel relevante em relação à determinação de movimento, como as observações foram feitas em diferentes períodos do dia, percebeu-se pouca variação em relação a movimento nos períodos extremos de calor ou frio, estas condições influenciam mais diretamente o comportamento das pessoas do que determinam suas rotas ao longo da malha, o que realmente implica em relação aos padrões de movimento é a propriedade configuracional de integração. Esta é a conclusão básica da pesquisa que resultou na teoria do movimento natural (Hillier et al, 1993).
Ainda que se persiga uma teoria que aborde os fenômenos espaciais de maneira inclusiva e pertinente; e admita-se que a teoria da sintaxe espacial possa cumprir este papel de maneira adequada, por caracterizar-se pela abordagem objetiva e descritiva dos fenômenos espaciais, buscando entender o espaço ou a configuração espacial através de seus padrões espaciais, o que resulta na lógica de ordenamento e uso do lugar, ao contrário das teorias prescritivas, que tentam dizer como as coisas devem ser, pré-determinando valores; é necessário destacar que a teoria, por si só, não resolve todos os problemas, apesar de seu caráter inclusivo na abordagem dos fenômenos espaciais, deve ser usada apenas como instrumento no sentido de favorecer o esclarecimento de questões.
Em síntese, não se pretende desenvolver uma dissertação puramente sintática, mas aliar a sintaxe do espaço a outras discussões sobre o edifício (o leiaute), inclusive de natureza sociológica, como já foi destacado, que colaboram para o entendimento do todo a que se persegue.