terça-feira, junho 14, 2005

3. método

O instrumento de pesquisa escolhido é o método da Sintaxe Espacial. Entende-se que esta metodologia pode ser útil como um instrumento de análise no desenvolvimento da dissertação, que tem como objetivo identificar se existe ou não um padrão espacial de disposição dos produtos nas lojas dos supermercados da rede Bompreço localizadas na cidade do Recife, no ano de 2003, segmentadas pela classe social a que se referem.
O problema em questão é responder: seria possível identificar padrões de organização espacial de supermercados em bairros voltados para uma mesma classe social, uma mesma sociedade? Esta resposta será obtida utilizando como teoria e método a Sintaxe Espacial, que tem como teorema base a premissa de que as estruturas espaciais, ou a configuração espacial está carregada de todo um significado cultural e social, e entender esta configuração é compreender a sociedade que a formou. O método que acompanha a teoria é baseado na descrição dos fenômenos espaciais de uma maneira quantitativa, o que permite desta forma, a comparação.

3.1 em busca de uma teoria

Devido à tradição e natureza das abordagens científicas no campo da arquitetura e do urbanismo, a tarefa de encarar o conjunto é de todo penosa. A ciência, de uma maneira geral, especialmente as ciências exatas e da natureza, têm como tradição encarar os fenômenos de maneira isolada, estabelecendo recortes sempre muito fechados na abordagem dos problemas. É o que Hegel chama de abstração[1] em seu elegante ensaio “Quem pensa abstratamente?” Onde responde à pergunta: “o homem sem instrução, não o instruído”, citando o exemplo do assassino, que quando do seu julgamento é visto apenas como tal, sendo desconsiderada sua história, geralmente recheada de problemas, traumas, sofrimento, dúvidas e incompreensão, causadores prováveis da desordem de caráter e amargura que o caracterizam. Hegel conclui que: “pensar abstratamente significa isto: ver no assassino somente o fato abstrato que ele é um assassino e através desta simples qualidade anular [vertilgen] toda essência humana ainda remanescente nele”.[2] O pensamento abstrato imperou durante muito tempo, o acordo tácito entre a ciência e a religião, onde limites eram estabelecidos uma em relação à outra, sendo a fusão algo impensável caracteriza a relação tradicional entre as duas formas de compreensão do mundo. O cientista abordava as questões naturais (estudando os fragmentos do todo, através do método analítico), e o teólogo, as sobrenaturais (abordando os fenômenos através do método da exploração: meditação, intuição, fé, sentimento e revelação). (Peck, 1992).
Mas existem mudanças a este respeito, foi dado início à integração entre ciência e religião, a ciência está ávida a descobrir os mistérios do mundo, e, aos poucos, começam a adotar mais de uma abordagem no estudo dos problemas, os físicos percebem a luz como partícula e onda, simultaneamente; arqueólogos, pesquisadores e historiadores se envolvem em pesquisas sobre personagens e eventos bíblicos, como a verificação da autenticidade do Santo Sudário, a veracidade da história do dilúvio e da arca de Noé, a comprovação da existência do Rei Davi, do sacerdote Caifás e de Pôncio Pilatos. Ainda que muitos eventos não possam ser cientificamente comprovados, como a Ressurreição de Cristo, e neste sentido os cientistas continuam embasando seus relatos em dados concretos, não se pronunciando, portanto, em questões desta natureza, o interesse para um melhor entendimento das questões inerentes à história da humanidade é cada vez mais exacerbado em ambos, cientistas e religiosos, representando um passo fundamental para a compreensão e elucidação de fatos e mitos
[3]. Algo impensável nos tempos do pobre Galileu [4].
Se ciência e religião não são mais tão incompatíveis, o que se espera no campo da arquitetura e o urbanismo é uma busca cada vez maior em se trabalhar com uma grande multiplicidade de modelos, realizar parcerias multidisciplinares de forma a caminhar para um entendimento preciso dos fenômenos.
Desde a construção dos templos romanos, buscava-se, através de estudos relacionados à proporção, simetria e ilusão de ótica, estabelecer diretrizes que resultaram em uma teoria da projetação que efetivasse os conceitos de magnitude e beleza desejados numa obra como um templo. Eram os valores sociais em vigor.
O advento do Movimento Moderno não tinha intentos diferentes. Impulsionados pelas novas exigências sociais, decorrentes da (r)evolução industrial, o Movimento tinha a nobre intenção de promover a padronização do elemento arquitetônico, de forma que o tornasse acessível a todos. Le Corbusier estabeleceu critérios a serem seguidos para o exercício da “boa arquitetura”. As demandas sociais pertinentes eram resolver o problema da habitação e favorecer o trânsito de automóveis que gradativamente aumentava. A habitação foi concebida com o título high tech de “máquina de morar”, otimizando ao máximo os espaços considerando as novas facilidades da vida moderna proporcionada pelos eletrodomésticos. Qualquer referência histórico-estilística era de todo rechaçada. Linhas ortogonais e formas puras eram o ideal. No campo do urbanismo, a necessidade de abrir vias amplas, de dar espaço ao automóvel, parecia salutar frente às necessidades cada dia maiores de agilizar o transporte. A rua então, assumiu outro conceito: “uma máquina para o tráfego”, pessoas circulando não eram previstas, atrapalhavam, tudo tinha que ser realizado num local pré-determinado, lugar para pessoas, para o tráfego, habitação, trabalho, ricos e pobres. As altas torres eram “integradas” através de amplos espaços de circulação e grama, geralmente vazios. Este rigor na concepção do objeto arquitetônico recebeu uma de suas primeiras e mais contundentes críticas através do livro Complejidad y Contradicción en la arquitectura, de Robert Venturi, onde ele destaca, na qualidade de arquiteto projetista, a importância do papel da história como suporte e referência ao produto arquitetônico.
Com um raio de abrangência ainda mais amplo, o denso relato da vida em Nova York descrito pela jornalista Jane Jacobs em seu célebre livro The Death and Life of Great Americans Cities, mostra-se inelutável como crítica à cidade que o modernismo pretendia criar, a limpeza física e o zoneamento preciso, a seu ver, criavam sociedades mortas, a “desordem” humana, rica e complexa, não pode ser reduzida, ou desconsiderada. A diversidade, plenitude e riqueza da vida nas ruas são meticulosamente descritas através de sua visão do cotidiano do bairro em que morava, através desta intensa observação, chegou a uma conclusão do que seria a rua ideal: uma rua cheia de estranhos, de classes sociais diferentes, crenças diferentes, funções diferentes, o comércio junto com a habitação, diversidade de grupos étnicos e de estilos de vida, além da riqueza inerente à própria natureza, proporciona uma condição de vigilância ideal, uma genuína prevenção contra a criminalidade. E era tudo isso que o Movimento Moderno desejava matar, segundo as palavras de Le Corbusier: “Precisamos matar a rua!” e “Cafés e pontos de recreação deixarão de ser os fungos que sugam a pavimentação de Paris”.
A fragilidade do radical posicionamento modernista mostrou ser necessária a adoção de modelos diferentes. Kevin Lynch busca explicar e analisar a cidade através da semiótica, gerando inúmeros estudos nesta linha. Gordon Cullen enfatiza a relação entre escalas, o olhar, a continuidade dos espaços, a disposição dos elementos. Carlos Nelson pensa em viabilidades, as formas de apropriação do espaço de uso coletivo.
Estudos contemporâneos e teoricamente mais ousados, como a tentativa de estabelecer uma metodologia, ou um ensaio de metodologia para intervenção em áreas históricas, como o demonstrado no livro Construir en lo construido: la arquitectura como modificacíon, de Francisco de Gracia. O livro é dividido em três partes, onde no momento inicial é feita uma rica abordagem analítica, considerando a arquitetura como algo inclusivo, questões extraordinárias são levantadas, no entanto, na parte final do livro, denominada “la acción modificadora”, são destacadas atitudes frente ao contexto, que se apresentam, ao todo, formalistas, a riqueza de sua análise inicial não parece ser incorporada às atitudes intervencionistas, e a história é enfatizada ao extremo.
O que se tem percebido em relação a estas produções teóricas esses ângulos de visão sobre o objeto arquitetônico é que, em maior ou menor grau, cada uma delas tem reduzido ou “abstraído” os problemas da arquitetura e do urbanismo, cada qual busca, de acordo com suas convicções, enfatizar um ou outro ponto inerente ao objeto arquitetônico. Alguns pontos fundamentais passam a ser avaliados de maneira inadequada, não há clareza em relação ao que deve ser considerado prioritário. Todas têm em comum o caráter prescritivo. O que se pretende nesta seção em busca de uma teoria é fazer uma descrição das principais teorias e conceitos que tem sido utilizados ao longo do tempo para estudar e/ou conceber o objeto arquitetônico e urbanístico, ou melhor, como a ciência de uma maneira geral, nas suas segmentações humanas e exatas tem abordado e colaborado para a compreensão dos problemas estudados. No caso em particular do edifício como objeto arquitetônico, ferramentas como estatísticas e cálculos matemáticos eram, até o surgimento do método da sintaxe espacial, algo inexplorado.
Na tentativa de preencher essa lacuna histórica, surge a Teoria da Sintaxe Espacial, que não pretende discutir arquitetura em termos de estilos visuais, de aparência, de variáveis físicas, mas discute arquitetura em termos daquilo que ela realmente é: uma questão de espaço, o espaço e a vida social.
Bill Hillier, o precursor da Sintaxe, propõe uma nova teoria da relação sociedade/espaço, um método de investigação desta relação. Este método constitui de uma teoria descritiva do espaço, que permite estabelecer padrões espaciais, sistemas de relações espaciais, através de variáveis como: permeabilidade (acessos e movimentos); inteligibilidade (clareza de apreensão do espaço); segregação e integração (condições topológicas de proximidade em relação a um conjunto). Acredita-se que padrões espaciais contêm informações sociais, denota identidades culturais, o ordenamento dos espaços nos edifícios equivalem ao ordenamento de relações entre pessoas. As relações pessoais, a cultura e o comportamento das pessoas são materializadas no ordenamento dos espaços (Hillier, 1984).
O edifício pode ser entendido a partir de seus padrões espaciais, que são compreendidos a partir da determinação de suas propriedades, da descrição da regularidade de determinados fenômenos, com suas peculiaridades e condições. Diz como o edifício é, tenta compreender os valores das estruturas sociais. A descrição dos fenômenos é feita a partir da observância de regularidades. A partir do entendimento da realidade pode-se chegar a um prognóstico, ou levantar hipóteses. A teoria analítica permite conhecer a “verdade” do lugar, possibilitando guiar soluções e interpretações mais adequadas e menos tendenciosas (Hillier, 1984).
As análises se convertem em números, gráficos, o suporte da estatística e da matemática, no sentido de quantificar as relações espaciais é algo incomum, mas esta contribuição tem se mostrado extremamente útil para esclarecer cientificamente problemas antes relegados a uma questão de opinião.
A seguir serão abordados alguns pontos que caracterizam a teoria, como sua natureza, as formas de representação do espaço e os conceitos.
[1] Abstração em filosofia significa: “a operação mediante a qual alguma coisa é escolhida como objeto de percepção, atenção, observação, pesquisa, estudo, etc. ..., e isolada de outras coisas com que está em uma relação qualquer. A abstração tem dois aspectos: primeiro, o isolar a coisa pré-escolhida das demais com que está relacionada [o abstrair de]; segundo, o assumir como objeto específico de consideração o que foi então isolado [abstração seletiva ou pré-cisão]”. Dicionário de Filosofia. Nicola Abbagnano. 2a edição. Mestre Jou. São Paulo. p.4.
[2] Georg. W. F. Hegel. Quem pensa abstratamente? Síntese Nova Fase. Vol. 22. N° 69. Abril-junho 1995. p. 237.
[3] Isto é claramente verificado observando as palavras do porta-voz da arquidiocese de Saint Louis, no Estados Unidos, Steve Mamanella, sobre recente pesquisa israelense referente a fortes indícios de real autenticidade do Santo Sudário: “Esperamos que as últimas descobertas sirvam para solidificar nossas crenças.”
[4] Galileu, físico e astrônomo italiano (Pisa, 1564 - Arcetri, 1642). Defensor do sistema do mundo composto por Copérnico, astrônomo polonês (Torum, 1473 - Frauenburg, 1543) que demonstrou os dois movimentos dos planetas: sobre si mesmos e em torno do sol, o qual a corte de Roma denunciou como herético. Galileu foi intimado a não mais professá-lo, e a isso aparentemente se submeteu. Mas, publicou em 1632 todas as provas da verdade do sistema. Em 1633 teve de abjurar suas crenças perante a Inquisição. Fonte: Dicionário Enciclopédico Koogan Larousse Seleções. Editora Larousse do Brasil Ltda. Rio de Janeiro. 1978. Vol. 2. p. 1134 e 1232.

3.2 uma teoria estruturalista

Um dos teoremas das teorias estruturalistas é de que estudos científicos acerca da cultura e sociedades humanas não podem ser restritos ao âmbito da observação, pois o conhecimento depende de análises teóricas. (Lawrence, 1989)
Teorias e métodos estruturalistas vem sendo desenvolvidos desde o século XIX, mas sua contribuição se tornou mais efetiva somente a partir da metade deste século, em grande parte como resultado das contribuições do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss e do psicólogo suíço Jean Piaget. O estruturalismo é utilizado em diversas vertentes do conhecimento, como arqueologia, arquitetura, lingüística, antropologia social e sociologia urbana. No entanto, apesar de ser amplamente difundido nos diversos ramos da ciência, o pensamento estruturalista não tem uma unidade sólida, são desenvolvidos estudos até mesmo conflitantes dentro da mesma teoria. Existem pelo menos duas correntes para o estudo das pessoas em seus ambientes físicos. Uma, refere-se à natureza sistemática de um objeto ou fato, o estruturalismo global, onde o termo estrutura diz respeito “à maneira em que os elementos individuais de uma linguagem específica são dispostos em relações de interdependência mútua para o propósito de comunicação”. Em estudos referentes à arquitetura, esta definição foi usada por Glassie com o objetivo de verificar as regras matemáticas que regem o tamanho, forma e composição de compartimentos de casas vernaculares construídas na região do Estado da Virginia. A hipótese defendida era a de que os construtores das habitações, conscientes ou não, usavam estas regras geométricas e de composição (Lawrence, 1989).
Outra corrente, o estruturalismo analítico, descreve e explica a composição sistemática de objetos e fatos, levando em consideração a significação social de determinados elementos que atuam como símbolos, o estruturalismo analítico ainda é dividido em Marxismo Estrutural e Estruturalismo Cognitivo, este último, é que apresenta contribuição no campo da arquitetura, baseado nos estudos de Lévi-Strauss, onde o princípio base é que as teorias e métodos da lingüística estrutural podem ser aplicados, de uma forma ou de outra, para a análise de todos os aspectos da cultura humana, e a linguagem pode ser interpretada como um conjunto de símbolos. Remete, no entanto, à semiologia e semiótica, à ciência dos símbolos, pois se acredita que estudar os sistemas de símbolos adotados por uma determinada sociedade, em uma determinada época contribui para entender o seu significado cultural ao qual a sociedade está relacionada (Lawrence, 1989).
O fato que intriga os estudiosos que desenvolveram o estruturalismo cognitivo é a tradicional separação entre o social e o espacial, onde o ambiente construído era descrito levando em conta apenas aspectos formais e geométricos, desconsiderando os aspectos simbólicos existentes na lógica do espaço. (Lawrence, 1989)
Hillier, um dos defensores do estruturalismo cognitivo, propõe um modelo de lógica social baseado nesta teoria. O argumento é que existe um conhecimento tácito que estrutura a organização espacial do ambiente construído, a “linguagem” espacial do urbano ou do elemento arquitetônico expressa de uma forma não verbal a cultura, a maneira de um povo estruturar seu espaço nas diversas escalas. Hillier defende que os padrões espaciais dos assentamentos e edifícios estão relacionados com a organização social das pessoas, de forma que desenvolveu conceitos e métodos para descrever a sociedade e o ambiente construído, (através de uma série de técnicas analíticas que serão exploradas na próxima seção) apresentando ainda duras críticas às interpretações teóricas sobre o ambiente construído e comportamento humano, como: territorialidade, cognição e estudos funcionais de edifícios.

3.3 sintaxe espacial

A teoria da sintaxe espacial utiliza-se de uma maneira peculiar para representar o espaço, de forma a sistematizar as informações que se deseja obter, partindo dos conceitos considerados fundamentais para compreensão dos fenômenos espaciais. Entender estas formas de representação e os conceitos destacados pelo método da sintaxe espacial é o objetivo desta seção.
O espaço é “medido” considerando as propriedades espaciais descritas a seguir.
Conectividade mede, em um espaço, quantos outros nós são diretamente acessíveis a partir dele (Hillier, et al, 1993).
Controle mede o grau em que um espaço controla o acesso para seus vizinhos, este cálculo é feito somando-se as reciprocidades de conectividades entre vizinhos, ou seja, se um espaço é a única forma de conexão para outra, este espaço tem valor de controle 1, se ele é uma entre duas formas de conexão, tem valor de controle 1/2, e assim por diante. Em suma, o valor de controle representa ou quantifica o grau de escolha que se permite de um espaço para os outros da vizinhança imediata (Hillier, et al, 1993).
Escolha global indica o quão freqüentemente cada linha é usada, e está localizada a menos passos das outras do sistema (Hillier, et al, 1993).
Integração mede a profundidade de cada espaço do sistema, em relação a todas outras. Os espaços mais integrados são aqueles em que são mais rasos, ou a menos passos de todos os outros, e os mais segregados são aquelas que estão mais profundas ou que seja necessário um maior número de passos para até eles chegar (Hillier, et al, 1993).
Inteligibilidade é medida através da correlação entre conectividade e valor de integração. Indica o que visualmente pode ser visto através de determinada linha e, de acordo com seu grau de integração, indica o que isto significa para o sistema como um todo.
O gráfico justificado é um tipo de representação característico do espaço doméstico ou do edifício. O espaço normalmente é dividido em espaços convexos (espaços em que todos os pontos são diretamente visíveis e acessíveis de todos os outros pontos), estes são representados por uma forma geométrica, geralmente um círculo, e os caminhos ou acessos entre eles são representados por uma linha, ligando-os.
O mapa convexo (Fig 3.1 e Fig. 3.2) pode ser colorido, de acordo com o valor de integração de cada espaço, utiliza-se uma gradação de cores que vai do vermelho ao azul escuro, sendo em vermelho os espaços mais integrados, passando pelo laranja, amarelo escuro, amarelo claro, verde claro, verde escuro, azul claro e, por fim, azul escuro, representando o espaço mais segregado. Esta escala de oito cores é definida subtraindo-se o maior valor de integração pelo menor e dividindo o resultando por oito, obtendo-se, portanto, o valor do incremento que deve ser adicionado para definir os intervalos entre as cores. Dependendo dos resultados obtidos, nem todas cores serão utilizadas, depende do grau de integração entre os espaços e as correspondências desses valores com os intervalos de cores.
Estes espaços convexos, que geram os gráficos justificados (Fig. 3.3), dispostos em níveis, a partir de um ponto desejado, denominado “raiz”, de acordo com os passos que devem ser percorridos para até eles chegar. Os gráficos justificados servem para ilustrar duas propriedades de configuração espacial: profundidade e escolha. Elas são importantes para a formação das idéias sobre cultura e relações sociais. Profundidade é descrita da seguinte maneira: um espaço está à profundidade 1 de outro se estiver diretamente ligado a ele; está à profundidade 2 se for preciso passar através de um espaço para alcançá-lo; profundidade 3 se necessário passar por dois espaços e assim por diante. Visualmente, através do gráfico justificado, a profundidade de um espaço será percebida através da altura que alcança a partir da raiz. Acredita-se que essas medidas simples são capazes de expressar culturalmente diferenças tipológicas significantes entre planos porque os dois conceitos em que elas são baseadas tem um tipo de lógica social intrínseca. Profundidade entre um conjunto de espaços sempre expressa o quão diretamente as funções daqueles espaços estão separadas ou integradas de cada um, e então quão fácil e natural é gerar relações entre eles. Enquanto que a presença ou ausência de anéis (ligações entre espaços que formam um polígono fechado no gráfico justificado) expressa o grau em que esses relacionamentos são controlados, ou marcados pela falta de escolhas, forçando a permeabilidade de um espaço para outro só ser possível através de outros espaços.
Os mapas axiais (Fig. 3.4) são o conjunto de linhas retas, as mais longas e em menor quantidade, que podem ser traçadas sobre os espaços convexos do mapa. Essas linhas podem ser imaginadas, assim como acontece nos gráficos justificados, em níveis, onde, escolhendo-se a “raiz”, ou o ponto de partida para analisar o conjunto, as linhas são representadas em níveis através de gradação de cores, de acordo com a profundidade, ou a proximidade que cada uma está em relação a todas do conjunto. Na prática, este mapa pode ser construído com o auxílio do computador, ou manualmente, cada linha axial é ligada à outra que seja visível e acessível a partir dela. Este gráfico preliminar, já oferece, visualmente, a possibilidade de um primeiro entendimento de como se dá o movimento dentro da malha (Hillier, et al, 1993).
Isovistas - é um mapa onde, a partir de um determinado espaço, revela-se a soma dos possíveis espaços visíveis, revela o grau de controle, do ponto de vista visual, que se pode ter de determinado espaço. Este mapa pode ser colorido, com as informações do valor de integração (Fig. 3.5).
A teoria da sintaxe espacial é a de que antes de tudo é através da configuração espacial que processos e relações sociais se expressam no espaço. Configuração, de uma maneira geral, é definida como a relação entre pelo menos dois espaços considerando um terceiro, ou a relação entre espaços em um complexo considerando todos os outros espaços. A escolha da propriedade configuração na lógica social do espaço se justifica por ela originar-se na lógica deste espaço (Hillier, et al, 1993).
Acredita-se que para o entendimento dos produtos arquitetônicos e urbanos não é suficiente esclarecer os propósitos pelos quais foram criados, mas aliá-los às leis morfológicas do espaço que, em conjunto, formam o todo, formam a cidade (Hillier, 1985).
A visão Aristotélica suporta esta premissa: “Forma e função são a mesma coisa” e “Forma é incompreensível sem função.” Dentro desta perspectiva, com o intuito de compreender a diferença entre sistemas naturais e fabricados, são desenvolvidas as três leis do espaço: (Hillier, 1985)
1. Leis para a construção de objetos espaciais
Para construir essa lei, parte-se do estudo de como explicar a estrutura definida pela orientação das aberturas (entradas) dos edifícios, formando a chamada estrutura “beady ring”. O clima, a topografia e proteção não são suficientes para tal explicação, pois estão relacionados a um processo orgânico variável de crescimento. É necessário, ainda, associar mais dois tipos de variáveis para compreender a lógica do assentamento: a variável histórica e a dos processos socioeconômicos e a variável relacionada às regras locais de proximidade que conduzem às regras gerais e formam o espaço. São um tipo de leis autônomas, regras naturais de agregação. A sistematização de dados sobre esta forma de agregação em assentamentos pode sugerir padrões genotípicos, ou verificação de sistemas semelhantes, mostrando como se materializam as percepções intuitivas que se tem do espaço e de sua lógica de agregação.
2. Leis da sociedade para o espaço
Diz respeito à idéia de que a geração de formas tem um significado social. Esta é esclarecida através de uma peculiar forma de representação e determinação de uma medida: o espaço é representado através do gráfico justificado, ou linhas axiais, que permitem medir uma propriedade do espaço denominada profundidade. Profundidade remete a outra propriedade: integração. O grau de profundidade de um conjunto determina o quanto este é integrado ou não, ou seja, o quanto ele é permeável (acessível) ou não de um espaço para outro do complexo. Com base nessa medida, entende-se de que forma as funções são espacializadas, e percebe-se que essas formas existem dentro de um princípio cultural, que as regem. A observância de como o espaço doméstico é organizado pode exemplificar este princípio. Zonas íntimas ou sagradas da habitação (dependendo da cultura que se esteja estudando), por exemplo, são verificadas nas partes mais segregadas. É um traço social que se materializa na construção do espaço. A função de determinado espaço está associada a um determinado grau de integração ou segregação.
3. Leis do espaço para sociedade
Esta lei está relacionada ao fato de certos valores espaciais serem determinantes para certos valores sociais. A configuração espacial possibilita ou não sua ocupação e a geração de encontros entre pessoas, a geração de relações sociais e comerciais. Integração é considerada o fator mais determinante em termos de movimento, quanto mais integrado o espaço, mais encontros são gerados.
Estudos posteriores resultaram na teoria do movimento natural, que é um subproduto dos trabalhos de análise espacial. O cruzamento de informações sobre o padrão espacial e estudos de observação verificaram a existência de um certo movimento, conduzido pela morfologia, independente do uso. O argumento é que existem espaços mais relacionados que outros, que pode sugerir um maior fluxo, ou seja, certa configuração espacial pode gerar fluxo, pois certos tipos de movimento não dependem de atratores, mas do sistema configuracional. O movimento natural existe a partir da preexistência de uma relação entre diversos elementos de uma configuração espacial. É a procura pelo caminho mais fácil e curto. A configuração da malha urbana é o principal gerador de padrões de movimento. Alguns estudos explicam os padrões de movimento baseados na existência ou não de atratores na malha urbana, estes estudos não consideram a configuração espacial global. O que se percebe, no entanto, quando se observa o padrão configuracional, é que estes atratores, por sua vez, muitas vezes estão alocados em locais estratégicos (ou integrados) para a existência de movimento, e que, os atratores, por si só, não seriam suficientes para tal. Pois a presença de atratores pode influenciar a presença de pessoas, mas não pode influenciar os padrões configuracionais existentes no lugar. De forma que configuração pode influenciar a alocação de atratores, mas a recíproca não é verdadeira. Configuração pode afetar movimento, mas os padrões configuracionais não podem ser por ele afetados. (Hillier et al, 1993)
O argumento é que configuração é o gerador primário, e sem compreendê-la não é possível entender o movimento das pessoas, o posicionamento dos atratores. Movimento natural é a proporção de movimentação de pessoas em determinada malha urbana, regida por sua própria configuração. Sem o suporte deste movimento natural, proporcionado pela configuração espacial, muitas áreas provavelmente ficariam vazias, pois a sua trama não permite ou não favorece o movimento de pessoas, o movimento natural de pessoas, o que, por sua vez, proporciona ou não encontros, e isto se dá de várias maneiras em diferentes culturas, com suas diferentes lógicas sociais do espaço e entre diferentes categorias de pessoas, como: moradores e visitantes, adultos e crianças, e de classes sociais diversas. O fenômeno invariável em relação ao movimento natural é a lógica que relaciona o movimento e configuração. (Hillier et al, 1993)
Para confirmação desse fenômeno, além da análise do mapa axial, é realizado um trabalho de observação, onde é utilizada a seguinte técnica: são registradas ao longo das linhas axiais, em diferentes períodos do dia, as quantidades de pessoas que passam, distinguindo por gênero e geração, sendo que crianças acompanhadas ou conduzidas são descontadas (Hillier et al, 1993).
O que se observou é que o clima não tem um papel relevante em relação à determinação de movimento, como as observações foram feitas em diferentes períodos do dia, percebeu-se pouca variação em relação a movimento nos períodos extremos de calor ou frio, estas condições influenciam mais diretamente o comportamento das pessoas do que determinam suas rotas ao longo da malha, o que realmente implica em relação aos padrões de movimento é a propriedade configuracional de integração. Esta é a conclusão básica da pesquisa que resultou na teoria do movimento natural (Hillier et al, 1993).
Ainda que se persiga uma teoria que aborde os fenômenos espaciais de maneira inclusiva e pertinente; e admita-se que a teoria da sintaxe espacial possa cumprir este papel de maneira adequada, por caracterizar-se pela abordagem objetiva e descritiva dos fenômenos espaciais, buscando entender o espaço ou a configuração espacial através de seus padrões espaciais, o que resulta na lógica de ordenamento e uso do lugar, ao contrário das teorias prescritivas, que tentam dizer como as coisas devem ser, pré-determinando valores; é necessário destacar que a teoria, por si só, não resolve todos os problemas, apesar de seu caráter inclusivo na abordagem dos fenômenos espaciais, deve ser usada apenas como instrumento no sentido de favorecer o esclarecimento de questões.
Em síntese, não se pretende desenvolver uma dissertação puramente sintática, mas aliar a sintaxe do espaço a outras discussões sobre o edifício (o leiaute), inclusive de natureza sociológica, como já foi destacado, que colaboram para o entendimento do todo a que se persegue.

3.4 exemplo de aplicação do método

Vários temas relacionados ao varejo têm sido tratados utilizando como ferramenta a Sintaxe Espacial. Um dos estudos que mais colaborou para escolha deste método de análise foi o de Gordon Brown: Design and Value. Nele, o autor faz uma comparação entre dois shopping centers, um que faliu, o Beau Monde, e um de sucesso comercial, o Tamarac Square. Através do estabelecimento e análise de medidas sintáticas ele explica os desempenhos dos dois centros de compras. O estudo mostra, através da comparação dos valores de integração, das isovistas e das linhas axiais, que a configuração espacial pode facilitar ou não o desempenho das vendas. Medidas como acessibilidade e visibilidade são pontos observados com atenção. A comparação é curiosa porque os edifícios situam-se em locais com as mesmas condições de acessibilidade e fluxo de pessoas, há muitas semelhanças entre eles, a diferença básica está na configuração espacial. As análises dos gráficos justificados, mapas convexos, isovistas e valores de integração permitem descrever os edifícios de acordo com suas propriedades sintáticas: o primeiro, possui um maior número de espaços convexos, áreas isoladas, é mais profundo, possui vários níveis, como mostra o gráfico justificado (Fig. 3.6). O segundo não possui áreas isoladas (segregadas), possui menos espaços convexos, menos linhas axiais e é mais raso (Fig 3.7).
Brown conclui estabelecendo propriedades sintáticas desejadas para um empreendimento comercial: espaços integrados e contínuos, minimizar os espaços convexos, gerar poucas e longas linhas axiais, poucos ou nenhum anel, estabelecer conexões diretas entre os níveis e não permitir que propriedades locais dominem as globais. Estima-se que as análises sintáticas possam prever 64% dos movimentos de circulação de pessoas. Uma conclusão mais ampla a que chegou é que a inteligência de um edifício está na sua configuração espacial.
Decisões de leiaute são influenciadas pelo entendimento das questões mercadológicas relativas ao lucro e as questões mercadológicas relativas ao lucro são influenciadas pelo desenho (Brown, 2001). Será que os supermercados a serem estudados utilizam o conhecimento do mercado e da sociedade e geram um mix de produtos que muda de lugar em função de sua lógica de vendas, e essa lógica de vendas varia de acordo com a classe social? É curioso notar, através da literatura pesquisada, que ainda que intuitivamente, especialistas em leiaute tem adotado métodos de percepção do espaço, tentando compreender como as pessoas o usam. Isso fica claro através do seguinte relato: “O importante, portanto, é que você tenha as mercadorias agrupadas por departamentos e distribua os departamentos em sua loja de forma a tê-la inteiramente visitada por seus fregueses. Uma boa forma de saber se isto está acontecendo é fazer pequenas plantas da loja e mandar uma pessoa (qualquer menino executa a tarefa) acompanhar os fregueses desde que entram na loja até a saída, descrevendo seu trajeto com um lápis macio e bem preto. No fim do dia, as partes claras da planta denunciarão áreas pouco visitadas e as partes muito escuras as áreas de muita visitação. Lembre-se de que os riscos são os mesmos da escassez: o acúmulo de pessoas, congestionando uma região, faz cair as vendas.”·
Diversos softwares podem viabilizar a obtenção dos valores de integração, a construção dos gráficos justificados e das isovistas. Dependendo do objeto a ser analisado ou um outro software pode ser mais adequado. Para o caso das questões do varejo, relativas ao edifício, o Depthmap, desenvolvido pelo Laboratório de Realidade Virtual da Universidade de Londres a partir dos estudos sobre isovistas iniciados por Benedikt, parece adequado para tratar as questões que se pretende abordar. Ele permite a criação de isovistas com valores de integração (chamados de gráficos de visibilidade) a partir de um ponto, para o caso, será utilizada a entrada da loja como raiz. A partir daí pode-se perceber, através dos resultados, quais os pontos mais utilizados do espaço, normalmente os mais integrados, quais e como são os campos visuais e quais produtos estão onde.

Fig. 3.1 - Planta Baixa - Casa Melo
Fonte: Luiz Amorim Posted by Hello

Fig 3.2 - Mapa Convexo - Casa Melo
Fonte: Luiz Amorim
Posted by Hello

Fig. 3.3 - Gráfico justificado - Casa Melo
Fonte: Luiz Amorim
Posted by Hello

Fig. 3.4 - Mapa axial de integração global do centro de Londres
Gradação de cores entre vermelho e azul, vermelho significando integração máxima, e azul, mínima.
Fonte: http://www.bartlett.ucl.ac.uk/spacesyntax/publications
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Fig. 3.5 - Isovista do Tate Gallery contendo informações dos valores de integração,
Gradação de cores entre vermelho e azul, vermelho significando integração máxima, e azul, mínima.
Fonte: http://www.vr.ucl.ac.uk/research/vga/results.html
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Fig. 3.6 Gráfico justificado de Beau Monde
Fonte: Gordon Brown
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Fig. 3.7 Gráfico justificado de Tamarac Square
Fonte: Gordon Brown
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segunda-feira, junho 06, 2005

2.2 tendências de leiaute

A lógica de disposição dos produtos dentro do supermercado segue a seguinte meta: alocar os chamados pontos focais (geradores de tráfego) numa disposição tal que favoreça a circulação do consumidor, objetivando a venda máxima. Abaixo segue esquema elaborado pelos RPA – Retail Planning Associates (Fig. 2.5).
A ABRAS aborda o tema leiaute ao longo seus anos de publicação, e faz uma classificação por geração. Admitindo que a disposição dos produtos segue tendências identificadas por espaço de tempo. Segundo Ascar
[1], na década de 80, as seções: açougue, padaria e hortifrutigranjeiros eram alocadas no fundo da loja, fazendo com que o cliente percorra toda loja e favoreça a venda por impulso[2]. Na entrada, mercearia ou bebidas. No entanto, como eram dispostos em três corredores e geravam bifurcações, a passagem por todas as gôndolas nem sempre acontecia e a circulação mais complicada, prejudicando a geração de compras não planejadas[3].
Hoje, alguns leiautes trazem os hortifrutigranjeiros para entrada da loja. A disposição normalmente não excede dois corredores, de maneira a facilitar o entendimento do espaço. A entrada com os hortifrutigranjeiros funciona como um cartão de visitas. É vendo o produto que o consumidor inicia o processo de compra, segundo declarado por Fernando Guerra. Verifica-se que a disposição dos produtos chave em locais chaves é quem ordena o processo de venda dentro do supermercado. Objetiva-se identificar se os supermercados possuem leiautes padrão em determinado grupo de supermercados voltados para uma mesma classe social, definida pela própria rede de supermercados. Não será realizada uma análise qualitativa desses leiautes do ponto de vista de seus desempenhos relativos à lucratividade. Apenas serão consideradas as relações entre sociedades e disposições espaciais.
Como já foi dito, de acordo com Antonio Carlos Ascar as tendências de leiaute podem ser segmentadas por gerações. A seguir será apresentada uma síntese de cada uma das gerações, com os principais pontos enfatizados.
Na década de 60 (primeira geração) a mercearia era destaque e os perecíveis representavam de 20 a 25% da área de vendas, concentravam-se ao fundo da loja e eram partes integrantes: o açougue, frios, laticínios e frutas, legumes e verduras (Fig. 2.6).
Na década de 70 (segunda geração) a área de perecíveis passa para 30 a 35% da área de vendas e o destaque fica por conta das frutas, verduras e legumes. A entrada era pela seção de mercearia ou bebidas. O açougue continua no fundo, à esquerda, considerado ainda o maior gerador tráfego
[4], juntamente com padaria, hortifrutigranjeiros e salgados. O objetivo era atrair o consumidor para o fundo da loja, realizando as chamadas compras por impulso (Fig. 2.7). No entanto, a circulação era feita através de três corredores, que gera bifurcações e minimiza a possibilidade de o cliente passar por todas as gôndolas.
Nos anos 80 (terceira geração), a padaria localiza-se ao fundo da loja, à direita e a seção de hortifrutigranjeiro foi deslocada para a entrada (Fig. 2.8). Os perecíveis já representam 50% da área de vendas, com as seções de congelados, peixaria e flores.
No início da década de 90 desenvolve-se a quarta geração de leiautes, onde a seção de perecíveis incorpora os alimentos prontos, no chamado conceito meal solution
[5].Os hortifrutigranjeiros localizam-se na entrada, funcionando como uma espécie de “boas vindas” ao cliente; peixaria, ao fundo; à direita, ao centro, pratos prontos e à esquerda o açougue. Na lateral esquerda congelados e frios, antes de chegar à padaria, localizada estrategicamente à saída da loja (Fig. 2.9). Os corredores são em número máximo de dois, facilitando o deslocamento pela loja, evitando que o cliente se perca.
Para Ascar, o Brasil não está na quinta geração, mas aperfeiçoando a quarta caracterizada pela incorporação das seções de flores e peixaria e a consolidação da padaria como geradora de tráfego. O arquiteto Enrique Barreira
[6] vê essa evolução caracterizada pela adição do que ele chama de praça de perecíveis constituída por padaria, peixaria, frios, hortifrutigranjeiros e lanchonete, enriquecidos por compactas áreas de preparação[7], enfatizando que o alimento é preparado na própria loja Fig (2.10).
Percebe-se que a disposição dos produtos segue diversas tendências defendidas e argumentadas por seus seguidores, independente da separação por geração descrita acima. Talvez essa separação sirva como um guia, apontando as idéias mais utilizadas de uma determinada época. Em que geração se situam os supermercados Bompreço em Recife?
Quem defende que os perecíveis estejam localizados logo na entrada da loja argumenta que é uma maneira de fazer com que o cliente possa ter um contato imediato com este setor, fazendo com que estes alimentos sejam vendidos o mais depressa possível, uma vez que, pela sua própria natureza, necessitam ter um rápido escoamento. Depois viriam a mercearia e os outros setores. Uma tendência contrária, e mais disseminada, defende que os perecíveis devem situar-se sempre no fundo da loja, para que não sejam machucados por outros produtos. Segundo Antonio Carlos Ascar as tendências podem ser verificadas em lojas de vários tamanhos, no entanto, raramente os leiautes são iguais, pois, além de estarem diretamente relacionados à comunidade e/ou sociedade que seja seu público alvo, refletem ainda o caráter da loja e a dita “personalidade” da empresa. O leiaute é o resultado da montagem de um quebra-cabeça que reúne as necessidades do consumidor, o perfil da loja e suas estratégias de vendas defendidas.
Percebe-se, através da literatura especializada consultada (desde o ano de 1975) que aborda o tema departamentalização que a disposição dos produtos dentro do supermercado tem várias correntes e argumentos, como foi citado. No entanto, é consenso que agrupar as mercadorias por seções e as seções por departamentos, verificando o perfeito agrupamento dos produtos afins, incrementando as vendas, através da geração de um tráfego ótimo, que faça o cliente percorrer a loja inteira e comprar o máximo possível.
Alguns estudos relatam que a departamentalização pode ser segmentada por geração, no sentido de que cada época traz uma tendência mais forte a ser seguida. Isso não foi detectado. As diversas tendências encontradas são percebidas nos leiautes de supermercado de 1975 até os dias atuais. O fator que certamente influencia a disposição dos produtos relacionado ao tempo é a tecnologia, a maneira que os produtos são embalados, como, por exemplo, os leites e iogurtes eram engarrafados, em vasilhames de vidro, pesados e isso influenciava no processo de decisão acerca da localização, onde seria mais fácil a reposição, ou condicionantes como tubulações para manter a temperatura de câmaras frigoríficas, fazendo com que congelados ficassem próximos às paredes para economia da própria tubulação e de perda de energia em trajetos longos.
De maneira sintética, serão descritos a seguir as localizações dos principais produtos identificadas a partir da análise dos arquivos da ABRAS. A descrição será feita por geração, utilizando o mesmo critério da ABRAS.
Década de 70:
- Fundo da loja, itens de maior circulação para induzir o cliente a percorre-la por completo, no entanto, o cliente acostumado pode ir direto ao fundo, não se importando com o restante da loja;
- Mercadorias pesadas no princípio da circulação para que fiquem no fundo do carrinho;
- Frutas e verduras à esquerda, no fim da circulação;
- Criar pontos de interesse espalhados pela loja, não concentrar no fundo;
- Sorvete no fim da circulação;
- Legumes e verduras na entrada para proporcionar uma sensação acolhedora;
- Fundo da loja produtos vendidos em maior quantidade;
- Mercearia ao centro;
- Laticínios localizados ao fundo da loja ou ao longo do perímetro na tentativa de gerar compras por impulso já que a grande maioria dos clientes compra pelo menos um item de laticínio;
- Nunca colocar congelados na entrada, pois correm o risco de descongelar;
- Artigos mais procurados ao fundo;
- Frutas e verduras na saída, evitando que se machuquem;
- Bebidas no primeiro corredor.
Década de 80:
- Padaria, peixaria e açougue ao fundo;
- Hortifrutigranjeiros à saída;
- Hortifrutigranjeiros ao centro;
- Hortifrutigranjeiros à entrada, na intenção de popularizar a imagem da loja, atraindo consumidores da classe C com exposições de sacarias;
- Distribuir as ofertas por toda loja;
- Mudar aspectos da década anterior, onde se entrava pelos produtos de limpeza em geral, pães e biscoitos, dando este lugar para sucos, refrigerantes e produtos mais caros;
- Alimentos matinais e infantis ao centro, próximo às conservas, temperos e massas;
- Balcões de frios ao centro, próximos aos hortifrutigranjeiros.
- Materiais de limpeza na entrada;
- Cereais ao fundo para facilitar a reposição;
- Hortifrutigranjeiros ao fundo para gerar uma seqüência lógica que favoreça as compras;
- Sorvetes próximos aos caixas.
Década de 90:
- Padaria e açougue ao fundo;
- Deslocar hortifrutigranjeiros para entrada, para chamar atenção do cliente pela beleza e frescor dos produtos;
- Flores e plantas na entrada, pelo mesmo motivo dos hortifrutigranjeiros;
- Mercearia na entrada;
- Refrigerantes ao fundo;
- Congelados ao fundo.
Como pode ser observado através da descrição acima, os leiautes possuem características de localização que podem ser encontradas ao longo de todo o período analisado. A localização dos hortifrutigranjeiros, por exemplo, sempre foi motivo de debate, na década de 80, por exemplo, pode ser encontrado em três pontos distintos da loja, com suas respectivas argumentações
[8]. Essa avaliação foi feita no intuito de contextualizar o objeto estudado (os supermercados da rede bompreço em Recife) em relação ao restante do país, que é relatado através das publicações da ABRAS. Muitos dos conceitos e argumentos utilizados para os supermercados do Recife seguem as diretrizes exploradas e divulgadas pelos especialistas nacionais[9].

[1] Antonio Carlos Ascar é consultor de varejo da ABRAS e sócio da Ascar e Associados.
15 Ocorre principalmente quando não se consegue resistir a determinados produtos, como doces, chocolates e batatas fritas. Por essa razão, geralmente eles estão dispostos em locais chaves, de fácil visibilidade, muitas vezes próximos aos caixas. (Solomon 1996)
[3] Normalmente ocorre quando o consumidor não conhece muito bem o leiaute da loja e/ou caminhando pelos corredores percebe, ao se deparar com produtos que não estavam no planejamento, que eles são necessários. Daí porque sempre uma seção uma outra muda de lugar no supermercado, para que não se criem rotas viciadas por consumidores acostumados, que percorrem menos e supermercado e minimizam as possibilidades de efetuar compras não planejadas.
[4] Gerador de tráfego é aquele produto que, comprovado através de estatísticas, levam o consumidor ao supermercado. São os produtos mais vendidos que, independente de sua localização, serão procurados pelos consumidores. Fonte: ABRAS.
[5] O conceito de meal solution refere-se à incorporação de produtos como bebidas geladas, sanduíches, saladas prontas, comidas prontas e semi-elaboradas. Fonte: ABRAS.
[6] Enrique Barreira é arquiteto especialista em varejo.
[7] São os chamados POP – Point-of-purchase stimuli -Pontos de demonstração, degustação, ou de distribuição de brindes para estimular a venda de produtos.
[8] Segundo Fernando Guerra pesquisas indicam que os consumidores preferem os hortifrutigranjeiros localizados ao fundo da loja, no entanto, em algumas lojas eles são colocados à frente tendo em vista o efeito visual gerado.
[9] Fonte: F. Guerra Design Comercial.

Figura 2.5 - Estudo de macrozoneamento considerando pontos focais (produtos geradores de tráfego) e rotas para o Supermercado Feira Nova, em Portugal.
Fonte: Stafford Cliff
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Figura 2.6 - Esquema gráfico da primeira geração de leiautes
Fonte: ABRAS
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Figura 2.7 - Esquema gráfico da segunda geração de leiautes
Fonte: ABRAS
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Figura 2.8 - Esquema gráfico da terceira geração de leiautes
Fonte: ABRAS
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Figura 2.9 - Esquema gráfico da quarta geração de leiautes
Fonte: ABRAS
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Figura 2.10 - Exemplo contemporâneo de leiaute elaborado pelo arquiteto Enrique Barreira
Fonte: ABRAS
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domingo, junho 05, 2005

o problema

Acreditando-se na premissa de que o espaço é ordenado segundo uma determinada lógica que seria dirigida pela sociedade, e a sociedade, por sua vez age influenciada pela configuração espacial, seria possível identificar padrões de organização espacial de supermercados em bairros voltados para uma mesma classe social, uma mesma sociedade? Esta é a pergunta que se deseja responder. Essa sociedade, objeto de estudo da sociologia, antropologia e psicologia por autores como: Michael Solomon, Bernardo Sorj, Mary Douglas & Baron Isherwood e Lars Perner servirão de base para este estudo.
Organização espacial refere-se, neste estudo, ao leiaute dos supermercados. Entende-se por leiaute a “distribuição física de elementos num determinado espaço
[1]”. É a distribuição física de produtos dentro do supermercado que será analisada para responder a questão proposta. Esta distribuição física dos produtos é chamada pelos técnicos de departamentalização[2]. Os produtos estão alocados nos mesmos lugares, ou nos lugares com propriedades espaciais bastante semelhantes em grupos de supermercados cujo público alvo são consumidores pertencentes a uma mesma classe social? Existe um padrão de distribuição física dos produtos? Para este estudo será utilizada a Sintaxe Espacial, uma ferramenta de análise que será descrita a seguir, no capítulo que aborda a metodologia.
Supermercado é definido com “loja de auto-serviço onde em ampla área se expõe à venda grande variedade de mercadorias, particularmente gêneros alimentícios, bebidas, artigos de limpeza doméstica e perfumaria popular
[3]. Auto-serviço caracteriza-se como “sistema em que o próprio consumidor ou usuário se serve (em restaurante, supermercado, posto de gasolina) e paga em caixa ou utiliza mecanismo operado por moeda, ficha, cartão eletrônico, etc[4].
O primeiro supermercado do mundo foi o Piggly Wiggly, inaugurado em 1916 em Menphis, Tennessee, Estados Unidos da América. No Brasil, comemorou-se 50 anos de supermercados, sendo a primeira loja a funcionar com o conceito de auto-serviço a da Cooperativa dos Empregados da Tecelagem Parahyba, em São José dos Campos, São Paulo, em janeiro de 1953.
[5] Em Recife, o primeiro a ser inaugurado foi o Bompreço Casa Amarela em 1966, do Grupo Bompreço, hoje comprado pelo Grupo WallMart.

Serão estudados leiautes dos supermercados
[6] situados na cidade do Recife, no ano de 2003, em número de 11 (número total de supermercados Bompreço existentes na cidade do Recife), pertencentes à rede Bompreço, que serão divididos por grupos de acordo com a classe social a que atendem. A rede bompreço divide os supermercados em três classes sociais: AB, (lojas Boa Viagem, Domingos Ferreira, Espinheiro, Parque Amorim e Shopping Recife) BC (lojas Aflitos, Arruda, Benfica e Casa Amarela) e C (lojas Aeroporto, e Afogados)[7].
Uma loja de supermercado tem como objetivo máximo vender seus produtos aos consumidores. É senso comum entre os especialistas que, para alcançar os objetivos é necessário conhecer o consumidor, seus hábitos, suas necessidades e procurar muitas vezes estar à frente destas necessidades, explorar e perseguir até mesmo aquilo que o consumidor nem tem idéia de que deseja e expor para ele. Os leiautes estão diretamente relacionados à maneira de viver e às necessidades dos consumidores, eles refletem características de uma sociedade. Observa-se, de acordo com inúmeras publicações da ABRAS (Associação Brasileira de Supermercados) a ênfase dada às necessidades dos consumidores. Os novos hábitos de consumo, a inserção de novos produtos, fazem do leiaute algo em constante mutação. Alguns aspectos caracterizam, de maneira geral, a sociedade contemporânea que é parte integrante deste estudo: é comum começar a fazer as compras pelos produtos frescos, comprar desde o tradicional (batatas e vegetais) até certos produtos exóticos (aspargos e carne de javali), é possível e acessível comprar de tudo, de produtos regionais até as mais exóticas especiarias produzidas no mundo, muitos dos produtos comprados são engarrafados, enlatados ou congelados. O gosto por comidas exóticas e o conhecimento sobre vinhos é uma constante neste período, além da preocupação com alimentos orgânicos na busca por alimentos mais saudáveis e seguros. Como é comum tanto para homens quanto para mulheres conciliar a atividade profissional com a administração de um lar, verifica-se o crescimento de uma categoria: a dos alimentos pré-cozidos, no setor de congelados (Randall & Seth 1999). A tônica é economizar tempo utilizando este tipo de alimento, que já representa 50% do total oferecido, segundo Antônio Carlos Ascar, consultor de varejo da ABRAS. O aumento do número de produtos torna mais complexa a administração do leiaute, no entanto, serão analisadas neste estudo as chamadas categorias básicas de produtos definidas pelos técnicos
[8]: mercearia, carnes/aves, hortifrutigranjeiros, frios/laticínios, congelados, refrigerantes, bebidas, padaria, peixaria e promoções. Supermercado é um equipamento que toca a vida das pessoas, estima-se que 2% de nossas vidas passamos no supermercado. As lojas refletem e direcionam mudanças de padrões sociais (Seth & Randall, 1999).
Não serão aqui abordados todos os aspectos inerentes à complexidade do processo de vendas. Serão explorados apenas os conceitos básicos dessa atividade destacados por profissionais atuantes no varejo e fundamentados com a ajuda da bibliografia voltada para a ciência do consumo, com foco no comportamento do consumidor, na tentativa de auxiliar a compreensão da questão que se aborda.
Também não é do escopo desta pesquisa abordar os assuntos relativos aos resultados mercadológicos relacionados aos lucros, é importante reconhecer a importância que esta questão tem para a elaboração do leiaute. Como já foi dito, o objetivo máximo de uma loja de supermercados é o lucro, e neste sentido, o leiaute faz parte da estratégia do negócio. Na medida em que se busca uma disposição tal em que o cliente possa comprar tudo que deseja no menor espaço de tempo possível, mirando o chamado aproveitamento de venda total. Isto acontece quando a disposição dos produtos permite oferecer ao consumidor condições de comprar o máximo que a ele possa ser vendido. Neste ponto nota-se mais uma vez a necessidade de conhecer o consumidor para elaboração do leiaute e que o leiaute caracteriza o consumidor. Este é ponto chave desta pesquisa, verificar se existe um padrão de configuração espacial entre supermercados voltados para uma mesma classe social, um mesmo consumidor.
[1] Definição segundo Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3a edição. 1999. Página 1197.
[2] Fonte: Fernando Guerra. Professor da Universidade Federal de Pernambuco. Dirige a F. Guerra Design Comercial. Arquiteto especialista em varejo trabalha há anos junto aos supermercados Bompreço.
[3] Definição segundo Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3a edição. 1999. Página 1905.
[4] Definição segundo Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3a edição. 1999. Página 237.
[5] Fonte: ABRAS (Associação Brasileira de Supermercados).
[6] Vale salientar que a rede Bompreço possui ainda outros dois tipos de lojas, os hipermercados e os minimercados, que estão fora da área de abrangência desta pesquisa. Estes tipos são separados pela variedade dos produtos oferecidos.
[7] Fonte: F. Guerra Design Comercial.
[8] As categorias foram selecionadas a partir da observância de sua constante citação como pontos chaves para elaboração do leiaute em artigos publicados pela ABRAS (Associação Brasileira de Supermercados) pesquisados a partir do ano de 1975.

1. fundamentação teórica

Algumas diretrizes foram reconhecidas para elaboração dos leiautes de supermercado, como ficou evidenciado numa abordagem histórica feita a partir de publicações da ABRAS (Associação Brasileira de Supermercados). A compreensão dessas diretrizes, juntamente com os conceitos relacionados ao comportamento do consumidor e classe social é a base teórica onde se fundamenta o fio condutor da análise pretendida.
A bibliografia que trata desse assunto é quase inexistente. Um dos poucos trabalhos que abordam este tema é o de Chris Stutz
[1]. Refere-se a um estudo de 12 lojas na Inglaterra e investiga a relação entre os leiautes, padrões de circulação do consumidor, localização de produtos e performance de vendas de uma rede de supermercados, mas não está disponível para consulta dado a confidencialidade dos resultados.
A literatura abordada para a compreensão do fenômeno estudado é, no que se refere ao objeto propriamente dito, grande parte material elaborado pela ABRAS (Associação Brasileira de Supermercados), através da revista SuperHiper que é seu órgão de divulgação. Além do trabalho de Solomon, Lars Perner, Andrew Seth e Geoffrey Randall, Rosemary Crompton e Erik Wright
[2].
[1] Chris Stutz é Consultor de Projetos do Space Syntax Laboratory em Londres.
[2] O trablho de Wright a que este trabalho se refere é o editado por George Ritzer: Encyclopedia of Social Theory.

2. o comportamento do consumidor

A segmentação por classe social mostra-se importante ao analisar o comportamento do consumidor recifense. Em alguns países essa segmentação pode não ser relevante. Talvez segmentação por gênero, geração ou tamanho da família possa sinalizar melhor os hábitos de consumo, especialmente em se tratando dos países ricos. Classe social indica tendências de consumo principalmente em países pobres e de grande desigualdade social (Perner 2003).
As sociedades caracterizam-se pela distribuição desigual de valores. O termo estratificação tem sido usado de uma maneira geral para descrever desigualdades ao longo da história. Desde a chamada sociedade tradicional, onde a desigualdade era tida como natural, ilustrada por Aristóteles:
É claro que há, por natureza, homens livres e escravos, e que servidão é útil e agradável para o último... Igualmente a relação do masculino para o feminino é, por natureza, do mesmo modo um superior e o outro inferior, um domina e outro é dominado.”
[1]
A desigualdade natural era vista como derivada de uma ordem divina, como o sistema de castas indiano, onde a desigualdade tem relação com níveis de pureza e os contatos sociais regidos pela possibilidade de contaminação, restringindo acessos para a classe mais baixa. Os conceitos de karma (merecimento em virtude da vida prévia) e darma (estado de vida de acordo com o que é normal – seguir regras para renascer em posição mais alta) são fundamentais neste sistema.
O caráter natural impossibilita uma abordagem sociológica. Esta concepção do natural, além de explicar a desigualdade, afirma que é natural que o melhor consiga mais do melhor. Na Europa feudal existia este mesmo conceito de estratificação, acompanhada de princípios morais e religiosos. A partir do século XIX, a Europa Ocidental foi basicamente uma sociedade rural, as condições do indivíduo estavam relacionadas com o acesso que tinha à terra, a qual era, na verdade, controlada por uma minoria, a igreja, que inclusive possuía o domínio da ascendência moral e religiosa. A terra para eles, tinha sido dada por Deus aos homens para que eles vivessem pensando na Salvação. O objetivo da vida não deveria ser enriquecer (considerado o terrível pecado da avareza) esta era, na verdade, uma forma de a igreja controlar as mentes e o dinheiro ao mesmo tempo. Os valores da igreja tinham uma relação direta com os valores econômicos. (Crompton, 1993)
O passo seguinte considera o desenvolvimento do capitalismo industrial, a chegada da modernidade. Caracterizado por profunda crítica à maneira com que tinha sido abordado até então o tema desigualdade, entrando em oposição direta às crenças tradicionais e diz que na verdade os seres humanos nasceram iguais, não desiguais. Esta é a base da sociologia que explica a desigualdade. Igualdade agora é assumida como natural nos seres humanos. Então surge a questão de como explicar as persistentes desigualdades? Se cada indivíduo é favorecido com direitos naturais, por que uns indivíduos dominam outros? (Crompton, 1993)
A passagem da era tradicional para a capitalista caracteriza-se pela ênfase à ordem social moderna. As intensas mudanças ocorridas nesta fase, como as expansões dos mercados, transformações dos meios de produção, que são resultado do desgaste da tradicional forma de comércio, ao mesmo tempo em que deram origem ao trabalhador, criaram os sem-terra, os quais vendiam sua força de trabalho. O trabalho era visto como mercadoria. A racionalização da produção, a divisão do trabalho, foi importante para a transformação.
As revoluções, como a francesa, aconteceram dentro deste contexto de mudanças. Marx dizia que a história humana era o resultado da economia, não apenas de conflitos políticos. A história da humanidade era a história da luta de classes. A condição de desigualdade sugere uma reflexão sobre as diferentes formas de acesso aos meios de produção e aos produtos. Marx enfatizava que a força do Estado estava relacionada à força econômica, e que igualdade política podia coexistir com desigualdade material.
A questão de classe é discutida como um fenômeno moderno, característico do sistema de estratificação moderno de sociedades industriais em oposição ao conceito de desigualdade ‘natural’. As organizações de classe, reclamando por seus direitos dão origem a muitas mudanças e transformações que caracterizam a era moderna.
A era industrial não destrói imediatamente as antigas condições de desigualdade. As idéias também persistem, como as associadas à religião, costumes e sociedades tradicionais continuam servindo de referência à questão material.
Classe é um conceito maior de estratificação na exploração dos sistemas de estratificação contemporâneos. O termo classe está tornando-se irrelevante. O conceito, no entanto, continua sendo utilizado pela sociologia. O uso do termo ainda atua e influencia na política, a sociedade ainda se conhece e se reconhece através de padrões de classe que são utilizados como referência, como modelos identificadores que atuam no inconsciente humano. (Crompton, 1993)
Hoje, classe tem uma relação direta com prestígio e distinção social, classe como questão de estilo. Tem muitos significados: descrever níveis de grupos em ordem hierárquica; indicar posição social ou prestígio; descrever de forma geral as estruturas de desigualdade material; rendimento de grupos; ocupação (úteis indicadores de padrões de vantagens materiais). A falta de clareza resulta em muitos significados. O objetivo da teoria de estratificação é esclarecer a distinção entre classe como realidade histórica e a classe que tem consciência de sua identidade e capacidade de agir.
Com o declínio da indústria pesada, e o avanço das inovações tecnológicas, menos trabalhadores eram requisitados para realizar as atividades. A divisão global do trabalho caracteriza-se por uma diminuição nos quadros da classe trabalhadora. Esta é uma nova era para o capitalismo, onde outra característica básica é a passagem para uma acumulação flexível de capital. O conhecimento e a produção dele passam a ser fundamentais nesta nova economia, não a acumulação de bens. Este fenômeno caracteriza-se ainda pelo caráter descartável e instantâneo que é dado aos objetos de consumo e aos relacionamentos sociais. O consumo é um novo fator de segmentação social, identidades são expressas através do consumo, ao invés da produção.
A capacidade consumo, e a exibição de bens escassos e cargas culturais, tem sido utilizado, durante a História das sociedades humanas, como um indicador de poder e dominação, além de ser associado com as vantagens e gratificações que os mesmos possam proporcionar. (Featherstone, 1995)
Tem sido discutido que, nas sociedades industriais avançadas, o aumento na produtividade econômica e da capacidade de criação de riqueza verificados desde a Segunda Guerra Mundial, tem reduzido relativamente a importância da produção e aquisição das necessidades básicas materiais por indivíduos em geral. Com a elevação dos padrões de morar, assuntos relacionados ao consumo, ao invés de produção estão tornando-se mais relevantes, e que, ‘estilos de vida’, ao invés de classe estão se mostrando mais importantes e dá corpo à variedade de atitudes e comportamentos verificados.
Por este motivo, consumo tem sido abordado com atenção por sociólogos. Estes temas estão também relacionados às rápidas mudanças culturais que acompanham as mudanças sociais e econômicas com o desenvolvimento das economias industriais no final do século XX. Assuntos relacionados ao consumo são abordados pela teoria e análise de classe de várias maneiras, como o debate britânico sobre a nova sociologia urbana, que destaca a importância da segmentação do consumo e é associada às idéias de classe ocupacional. Uma segunda abordagem diz respeito à tese de que o aumento do padrão de vida, das condições de acesso aos bens, resulta em um aumento da atenção dada ao consumismo, gosto e cultura de consumo. Teorias desenvolvidas com base nesta tese fazem suposições diferentes, mas que se caracterizam pela ênfase ao cultural e ao social ao invés de econômica construção de classe, enfatizando a dinâmica construção de diferenças sociais. Estudos como o de Hamnet concluíram que referências ocupacionais de classe ainda são fortes, associadas com variação de consumo, e que embora a atividade exercida ou profissão não determine padrões de consumo no âmbito individual, o mesmo não ocorre no âmbito geral. A ocupação do indivíduo ainda está relacionada com o poder de consumo e preferência política, e ainda faz referência como um importante indicador da estrutura de vantagem material na sociedade contemporânea. Pesquisas acerca de estilos de vida partem do princípio de que realidade social e ocupacional é construída de maneira dinâmica. Classe ocupacional foi largamente utilizado nas discussões sobre cultura de consumo. As características dos diversos estilos de vida estão relacionadas com atividades e os ‘mapas de gosto’ correspondem a ‘mapas ocupacionais’. O consumo de bens está relacionado à elevação social, indicando um determinado status que fascina as pessoas e é refletido nas manifestações e expressões culturais que delineiam um chamado comportamento correto de consumo. O ponto que interessa à sociologia acerca do relacionamento entre gosto e sistemas de estratificação explora a maneira em que gosto pode ser visto para ser um recurso utilizado por grupos dentro do sistema de estratificação para estabelecer seu lugar dentro da ordem social. (Crompton, 1993)
As mudanças na estrutura ocupacional (mudanças tecnológicas, crescimento da economia...) resultaram num aumento do tipo de ocupação que tem sido categorizada como classe média: administradores, profissionais liberais, bem como a expansão das profissões como especialistas em informática e psicoterapeutas. O termo classe média refere-se a uma grande variedade de grupos de profissionais: assistentes sociais, bibliotecários associados ao crescimento e desenvolvimento do bem-estar social. Por conta dessa diversidade, alguns não consideram a classe média como útil para simbolizar uma classe única.
A classe média crescente não é uma resposta das mudanças da economia, mas o resultado de uma mudança cultural mais ampla, que tem criado demanda para a satisfação de novas necessidades. O padrão de estratificação acompanhará as mudanças em relação aos sentimentos, gostos e moda.
Os trabalhos de Bordieu traçam duas diferentes linhas para a burguesia: uma com poder econômico alto e cultural baixo, e outra oposta. Os gostos, também são diferentes. Enquanto a primeira prefere o barroco e o vistoso, a segunda prefere a estética moderna. Grupos diferentes lutam por uma posição dentro do espaço social mutante.
O consumo contemporâneo não é de produtos, mas de signos, criando novas profissões associadas à produção de imagens e indicações de consumo e estilos de vida. O estilo de vida pós-moderno caracteriza-se pela diversidade em termos de consumo, relacionado ao culto ao corpo, além de emoções. A cultural fragmentação da classe média reflete numa fragmentação econômica e espacial prejudicando a formação de uma consciência coletiva ou identidade de classe. A organização de grupos aparece na forma de defender os direitos de determinada profissão. Enquanto que a organização tradicional do trabalho preserva e defende a hierarquia como forma de garantir as vantagens adquiridas, o emprego contemporâneo tem a característica de mobilidade e concorrência, esta última sendo acessível só aos pré-determinados socialmente.
Poucos conceitos são mais discutidos na sociologia do que o de classe social. Não é do escopo deste trabalho chegar a uma conclusão sobre o tema, como o foco é descobrir se existe padrão de configuração espacial de supermercados voltados para uma mesma classe social é necessário entender de que se trata o termo classe social, através de uma leitura de como ele vem sendo analisado pela sociologia ao longo da história, quais os pensadores mais citados e como se embasam seus fundamentos. Para tal foi utilizado o trabalho do Professor Erik Olin Wright e de Rosemary Crompton.
Segundo Wright são duas as mais importantes e tradicionais escolas da análise de classe social: a de Weber (Weberiana) e a de Marx (Marxista). O que há de comum entre eles é o rechaço ao conceito de classe como uma simples definição gradual, ambos enfatizam as relações sociais que ligam as pessoas aos recursos econômicos de vários tipos. A palavra chave da ótica Weberiana é chances de sucesso (vida) e a da Marxista é exploração. Apesar de haver muita discussão sobre como a palavra classe é utilizada, sobre sua adequação e fundamentos sociológicos, o fato é que ela está sempre relacionada a uma questão: "o problema de compreender os sistemas de desigualdade econômica". Pode-se destacar 04 (quatro) maneiras diferentes de abordar a questão de classe, que diferem entre si de acordo com o cerne da questão que se quer enfatizar:
A primeira faz referência a responder à questão: "Como as pessoas, individualmente ou coletivamente, locam elas mesmas e outros dentro de uma estrutura social de desigualdade?" Classe pode aparecer como resposta a esta questão, como categorias utilizadas dentro de um sistema de estratificação econômica, dentro deste contexto, esta classificação pode estar relacionada à estilos de vida, ocupação e habilidades ou estar objetivamente relacionado à faixa salarial. O número de níveis de classe também pode variar. Classe aparece relacionada a indicadores econômicos, mas não apenas isso, não apenas centrado nisso.
A segunda questão: "Como estão locadas objetivamente as pessoas em relação à distribuição desigual de bens materiais?” Classe aqui é definida como padrões materiais de viver, associado a rendimentos e riqueza. É um conceito que pode ser graduado: classe alta, média alta, média baixa e baixa. É o conceito mais comum no discurso popular.
Terceira questão: “O que explica desigualdade em chances de sucesso economicamente definidas e padrões materiais de morar de indivíduos e famílias?” Esta questão é mais complexa, não tem objetividade das duas anteriores, remete a identificar mecanismos causais que determinam as características preponderantes de um sistema. As relações de localização geográfica, formas de discriminação baseadas em características como raça e gênero. A questão que procura abordar é como estas características pessoais estão relacionadas à faixa salarial alcançada pelas pessoas.
Quarta questão: “Que variedade de transformações são necessárias para eliminar a opressão e exploração econômica dentro das sociedades capitalistas?” Neste aspecto o conceito de classe não é aquele simplesmente definido em termos de relações sociais de recursos econômicos, mas aquele que contém um projeto político de mudança e emancipação social.
Weber utiliza o seguinte argumento para definir classe:
Nós podemos falar de uma classe quando um número de pessoas tem em comum um componente causal específico de suas chances de sucesso, enquanto que este componente é representado exclusivamente por interesses econômicos, no acesso aos bens e oportunidades de salários e é representado pelas condições de comodidade ou mercado de trabalho. Isto é situação de classe.”
[2]
Classe é, para Weber, uma situação do mercado. O tipo e quantidade de recursos que as pessoas possuem afetam suas oportunidades de salário no mercado. O estudo das chances de sucesso de crianças baseado nas capacidades de mercado de seus pais é parte integrante do tema abordado por Weber sobre análise de classe, parte de um esquema maior onde o cerne é o contraste entre classe e status, e ambos implicam interesses materiais. Estratificação por status ganha força à medida que a distribuição e aquisição de bens são relativamente estáveis. Classe é parte é parte da resposta de uma ampla questão sobre variações históricas em graus e formas de racionalização da vida social em geral e a organização social da desigualdade em particular. (Wright, 2003)
Para Marx, o conceito de classe está relacionado à exploração e emancipação humana. O ponto central é demonstrar que pobreza não é uma conseqüência das leis da natureza, mas o resultado de instituições sociais e estas instituições podem ser transformadas para eliminar um sofrimento desnecessário. Conflitos de interesses entre classes são gerados não apenas pelo que as pessoas têm, mas com o que as pessoas fazem com o que têm. São duas as classes fundamentais: capitalistas e trabalhadores. Os primeiros controlam os meios de produção e se apropriam do trabalho dos operários. Na verdade a tradição Marxista de análise de classe apresenta mapas mais complexos de estrutura de classes, contendo várias categorias de profissionais trabalhadores. (Wright, 2003)
O conceito de classe social de Bordieu é geral, indo além de Marx e Weber, pois ambos se referiam à classe como algo relacionado à posição econômica. Bordieu foi influenciado por ambos, no entanto, o espaço conceitual em que ele define classe não é produção, mas as relações sociais em geral. Bordieu identifica quatro diferentes formas de capital: econômico, cultural, social e simbólico. Ele usa o conceito de classe como um nome genérico para grupos sociais. Seu principal foco é a mudança, ou seja, como novos grupos se sobressaem na luta por posições dentro do espaço social. (Crompton, 1993)
Ao percorrer pela literatura que aborda o conceito de classe social busca-se identificar padrões de relações sociais, ou relacionar a apropriação do espaço a um determinado grupo social de características semelhantes que possa ser considerado homogêneo, ainda que seja chamado de classe social ou estilo de vida. Ao final das análises do objeto de estudo pode-se ter uma conclusão a este respeito. Para efeito didático o grupo social homogêneo será chamado de classe social até que se verifique no decorrer do estudo qual a definição mais adequada.
Pessoas de uma mesma classe social normalmente realizam atividades similares, têm os mesmos gostos, o mesmo padrão de consumo. Solomon demonstra em seu “Círculo do Comportamento do Consumidor” (Fig. 2.1) os diversos aspectos que devem ser explorados para uma adequada compreensão da questão.

O estudo do comportamento do consumidor, por si só, já seria um campo de pesquisa amplo ao extremo, como se verifica no Círculo de Solomon. O enfoque que será dado refere-se apenas à relação e/ou implicações que possam orientar e justificar a disposição espacial dos produtos dentro do supermercado. É necessário conhecer alguns aspectos do comportamento do consumidor de maneira a auxiliar na compreensão do problema.
Comportamento do consumidor caracteriza-se pelo estudo do processo que envolve pessoas ou grupo de pessoas, compras (bens), usos, disposição de produtos para satisfação de necessidades. As pessoas reagem de maneira diferente aos diferentes produtos, portanto, o chamado marketing de segmentação é uma característica importante a considerar-se. A segmentação pode ser evidenciada por: geração, classe social, raça, etnia, gênero, estilos de vida, dependendo da sociedade que se aborda, um segmento pode ser mais relevante que outro no sentido de caracterizar seus hábitos de compra. Dentro do tema comportamento do consumidor existem várias correntes e teorias que focam o problema sob diferentes ângulos, as principais são: a positivista e a interpretativista ou a moderna e a pós-moderna. A mais dominante é a primeira, que enfatiza a objetividade da ciência e o consumidor é caracterizado como racional em suas escolhas. Já a segunda enfatiza a subjetividade das escolhas, diz que cada comportamento é objeto de múltiplas interpretações, ao invés de uma única explicação (Solomon 1996). As análises a serem realizadas tomarão como condutora a visão dita moderna, positivista e a segmentação para interesse deste estudo é a que se refere à classe social e cultura, pois os supermercados utilizam-se destes referenciais para departamentalizar suas lojas
[3].
Classes sociais diferentes possuem hábitos de consumo diferentes. As classes mais baixas têm o consumo voltado para as necessidades básicas, de sobrevivência, não se dão ao luxo de ampliar o leque de produtos a consumir. Como as lojas são planejadas para o cliente alvo, e as necessidades de consumo são diferenciadas por classe social, busca-se identificar a lógica de localização dos produtos dentro do supermercado. Qualquer que seja o cliente alvo, de classe social alta ou baixa, existe o objetivo único de gerar uma rota de tráfego ótima para privilegiar a venda máxima de produtos.
Produtos consumidos estão relacionados com a cultura das pessoas (Crandall 1998). Não só os produtos, mas a maneira que se compra e as escolhas que se faz. Cultura pode ser definida como: “o todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, hábito e quaisquer outras habilidades adquiridas pelo homem como membro da sociedade
[4]. As diferentes culturas orientais e ocidentais possuem suas diferentes maneiras de perceber o mundo. No Japão, por exemplo, grupos de homens e mulheres tomam banho juntos, de maneira natural, enquanto que nos Estados Unidos da América a nudez em público não é permitida e ainda em alguns países árabes a mulher não pode sequer ter seu rosto revelado em público. Esse complexo que compreende a formação do ser humano influencia ou é parte das escolhas e dos hábitos de consumo. Hábitos esses que identificam os indivíduos, os fazem pertencentes a um grupo (Perner 2003) como pode ser observado através das figuras 2.2, 2.3 e 2.4, que mostram as diferentes maneiras de comercializar alimentos nas diferentes culturas do mundo.
O espaço é percebido de maneira diferente pelos diferentes segmentos sociais e culturais. Estima-se que duas a cada três compras feitas no supermercado são decididas nos corredores. É fato que as compras são influenciadas pelo ambiente da loja. O leiaute da loja, em que cada variedade de produto é cuidadosamente alocada é fator determinante para avaliar o quanto as pessoas compram o quê (Crandall 1998). A disposição espacial dos produtos dentro do supermercado revela a sociedade que o utiliza. Identificar se existe ou não um padrão espacial de disposição dos produtos nas lojas dos supermercados da rede Bompreço localizadas na cidade do Recife, segmentadas pela classe social a que se referem é o objetivo desta pesquisa.
Principalmente nos países pobres é fácil reconhecer os estilos diferentes de consumo, que correspondem aos diferentes níveis sociais. Salários e profissões são dados que podem ser agrupados e identificar um determinado estilo de vida que é associado a um padrão de consumo. Quanto mais baixa a classe social, maior a porcentagem de dinheiro gasto com comida em relação ao total. Já em direção às classes mais altas os gastos com comida apresentam-se em porcentagem descendente (Douglas & Isherwood 1996). Classe social é, juntamente com cultura, segmentações que o estudo do comportamento do consumidor faz para compreensão do fenômeno e que abordaremos nesta pesquisa.
O processo de tomada de decisão ou as escolhas que se faz carregam inúmeros aspectos, desde o simples gosto pessoal (pessoas que preferem os refrigerantes do tipo cola), passando por questões relativas ao humor, até o interesse ou não pelos preços. Cada segmento tem uma identidade, um padrão de comportamento (Perner, 2003). Indivíduos da mais alta classe social não são atraídos por grandes cartazes alardeando baixos preços, normalmente as lojas voltadas para esse público possuem etiquetas discretas contendo os altíssimos preços dos produtos. Ou seja, os interesses são diferentes entre as diversas classes sociais.
Empresas especializadas em pesquisar os hábitos do consumidor podem realizar um diagnóstico do padrão de consumo de determinado segmento social, no entanto, no caso do Grupo Bompreço, existe uma ferramenta importante para obtenção deste diagnóstico: o clube de fidelização Bomclube. Através dele, dados como o quê, quando, quanto e como as pessoas consomem facilmente abastecem os bancos de dados, no ato da compra real, oferecendo possibilidade de produzir uma previsão bastante precisa de quais e quantos produtos atendem ao segmento, e ainda mais especificamente, atendem a cada loja da rede, fazendo com que cada loja ofereça os produtos certos para a clientela certa
[5]. A partir daí é gerar as rotas de tráfego ótimas para maximizar as vendas, alocando os produtos nos pontos chaves da loja. Jennifer Crandall, em seu artigo, descreve sua experiência como usuária deste tráfego calculado elaborado pelos supermercados:
The coffee beans were placed on a shelf in the middle of the aisle; this was probably done in order to keep the consumers walking down the aisle to the end, instead of turning around and walking the other way. The aroma of coffee is pleasing to most people and the subliminal message to the consumer forces them to walk the rest of the aisle. The potpourri and dog food are placed in the same aisle, but at very strategic locations, with one at each end of the aisle. The cinnamon aroma of Christmas potpourri leads consumers down the aisle and the aisle ends with a rather distasteful smell. However, by the time consumers reach the smell of dogfood they have walked the full length of the aisle and made numerous purchases.”
[6]

[1] Extraído de Class and Stratification, de Rosemary Crompton, 1993.
[2] Extraído do trabalho de Wright, 2003.
[3] Dados obtidos por Fernando Guerra da F. Guerra Design Comercial.
[4] Perner dá esta definição em seu artigo Consumer Behavior and Marketing - The Psychologist of Consumption (2003).
[5] Fonte: F. Guerra Design Comercial.
[6] Os grãos de café estavam dispostos em uma prateleira no meio do corredor; provavelmente para manter os consumidores caminhando pelo corredor até o final, ao invés de voltar e tomar outro caminho. O aroma de café é agradável para a maioria das pessoas e a sublime mensagem para o consumidor o força a caminhar o resto do corredor. A mistura de cheiros e a comida para cachorros estão no mesmo corredor, mas em locais muito estratégicos, com um de cada no final do corredor. O aroma de canela da mistura de cheiros do Natal conduz os consumidores pelo corredor e o corredor termina com um cheiro um tanto desagradável. No entanto, até que os consumidores sintam o cheiro da comida para cachorros eles têm caminhado por todo o corredor e feito muitas compras. Extraído do ensaio Temples of Consumption.